terça-feira, outubro 30, 2007

No monte da Azinheira (Tomo I)

Era noite. E como noite que era Fernandita já andava aperreada com o seu Manel. «Que raios o homem que nunca mais me chega a casa!!!».
O Manel da Fernandita, carpinteiro de profissão, passava os seus finais de tarde na tasca do Ti Jaquim. As mines, e as sandochas de courato, ainda que lhe livrassem o fardo de ter de tratar da janta ao homem depois de um dia de trabalho a limpar a trampa à velha Joaquina do Monte, não lhe livravam a apoquentação de o ter de esperar, pacientemente, todo o santo dia.
Quando finalmente chegava, exausto de tanto levantamento de mine - aquilo custa - e batimento de carta, o pobre deitava-se e "fingia-se" morto até ao amanhacer do dia seguinte. Altura em que lhe dava aquela pancadinha amorosa na nadega esquerda, pegava no martelo, e após - e sempre - o seu segundo copo de tinto e a bucha de pão de codea, lá ia martelar para a obra - fosse ela onde fosse.
Mas naquele dia o Manel não chegava, e Fernandita já deitava contas à vida. «Vou buscá-lo ou não ??» «Que raios o homem mais as mines e a batota!!!»
Se aqueles americanos de um camano ao invés de inventar bombas para andar a matar as gentes inventassem alguma coisa de útil. Um telefone em casa, que lhe evitasse a caminhada de meia-hora pelo batatal da Ti Francisca para poder usar o dela. Aquele batatal a esta hora era um perigo, podia torcer o tornozelo, ou pior, levar uma dentada do Farrusco... «Aquele cão é doido!!»
E o homem que nunca mais lhe chegava a casa, e as horas a passar. «Ele já devia estar na cama!!! Que raios deixar uma mulher aqui em casa neste estado!! E amanhã quem é que se levanta para pegar no martelo ??»
Ao passar a meia noite o som de passos e o cantarolar adivinhavam finalmente a chegada tanto esperada. De um salto levantou-se da cadeira da cozinha e começou a afiar a lingua para o pior. «Deves vir bonito deves!!!»
Ao estrondo na porta da frente e à entrada de rompante de Manel seguiu-se o - desta vez um tanto ou quanto anormal - metralhar da Fernandita. «E isto lá são horas homem ?! Que raios podias ter mandado o Chiquito avisar que vinhas mais tarde !!! E isto é coisa que se faça ? Deixar uma mulher aqui sem saber de nada? E vir pra casa a estas horas? E mais bebado que uma mula? E.... E...E...»
Manel, de rosto vermelho e cara bem cheia de cerveja, olhou-a profundamente. Abriu - ou pelo menos há relatos que o tenha tentado - a boca uma ou duas vezes sem sucesso. Deu os passos milimetricamente necessários e afundou profundamente, de martelo no bolso de trás das calças e a destilar litros e litros por todos os poros do corpo, na cama de casal.

Fernandita, ainda que ultrajada pela tamanha falta de consideração pelas suas dores, não podia dizer mais nada - até porque ele não a ia ouvir mesmo..
Deu-lhe o beijo do costume na testa, pôs o xaile aos ombros, fechou a porta do quarto, e saiu de casa a correr.....
«Será que o Zé esperou tanto tempo ?! Ah que pena, que eu hoje como tou dava-lhe tudo o que ele pedisse e mais um bocadito ainda ...»

2 comentários:

Grão de Areia disse...

Muito boa a história. Um dia Eu, tu e o Água do Mar criamos um blog com uma história a três… Que dizes?

Animus Moth disse...

:) digo .. YEP !