quarta-feira, agosto 24, 2011

O Monte da Azinheira (Tomo VI - O Vento ... 1ª Parte)

O vento havia mudado. Coisas de vento. De vez em quando lembra-se e muda, nada de novo.

Mas desta feita Chiquitita não tinha ficado contente. O frio começava de novo, era o Inverno que chegava certamente, e algo de mais lhe parecia que ia acontecer. Alguma coisa estranha.

A vida na quinta era o que é uma vida na quinta. Come-se, dorme-se, apanha-se um pouco de sol. Assim simples, vida de quinta.

Ti Manel da Burra, homem grande e forte, era por norma muito gentil com todas as suas meninas. Sentava-as no colo, passava-lhes um pouco a mão por cima, assim ao de leve, umas festinhas, umas brincadeiras.
Chiquita não tinha absolutamente nada a apontar sobre ele. Homem sério certamente e muito carinhoso com as meninas que lhe pertenciam.

Mesmo o Sr. Padre lá da aldeia por vezes vinha conversar com ele, e fazia um pouco o mesmo. Sentava-as no colo, assim uma apanhada por acaso. Fazia-lhe umas festinhas, assim ao de leve, enquanto conversava sobre essas coisas que os Homens conversam uns com os outros.

A vida na quinta para as meninas era portanto isso mesmo, uma vida de quinta. Nada a apontar de quem delas tomava conta.

No entanto, e desde o desaparecimento de Maria, a sua melhor amiga de infância, Chiquitita andava de certa forma apoquentada. O vento a mudar, o Inverno que vinha. Aquele friozinho que gela os ossos, e que não há agasalho que nos salve. Algo se ia passar, sentia-o.

Um dia passou-lhe mesmo pela cabeça por-se a caminho. Mas a cerca era muito alta, e ela não teve sequer coragem de a abordar com intuito de fuga. Continuava por ali. Vida de quinta. Rolava umas pedritas de vez em vez. Muito cabisbaixa. Algo que ia passar, e a cada dia que passava sentia-o ainda com mais força....

Outro dia que o Sr. Padre veio visitar o Ti Manel, como era o seu costume assim de vez em quando, ainda pensou que talvez fosse aquela a sua oportunidade de se por ao caminho. Mas não é que o homem quando a vê à porta não hesita em escolhe-la para brincar? Parece que o fez de propósito, como se soubesse de antemão os seus planos.

O homem fala com Deus, nunca se sabe o que ele sabe. Deixou-se ficar, como sempre. Deixou que a tocasse, como sempre. Que a acariciasse. Deixou-se levar, e adormeceu.

Quando acordou percebeu logo que algo não estava bem. Nunca Ti Manel a havia deixado entrar em casa. Tal foi o seu espanto que se viu mesmo no meio da cozinha. Ti Manel agarrava-a com ambas as mãos, aninhava-a no seu regaço e falava baixinho. Fazia-lhe festas, como sempre.

Chiquitita deixou-se levar, quase adormeceu de novo.

Quando o Sr. Padre ajudou o Ti Manel a agarra-la pelos braços e a esparramar no chão da cozinha percebeu. Algo se ia passar, e era mesmo nesse momento.

Esbracejou, gritou, tentou soltar-se com todas as forças que tinha. Nada os parecia demover do seu intuito. Gritou mais alto enquanto lhe punham os pés em cima e a esparramavam ainda mais.

No momento final, ao sentir o frio da faca de gume afiado na garganta, mal teve tempo para um último suspiro...

Encheu uma tigela bem cheia de sangue, e cumpriu o seu destino, ainda que já não o pudesse perceber.

Deu uma bela cabidela!


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