Um primeiro contributo, um primeiro momento... Que não pretende ser único, mas que também não é próprio... Rasgo aqui o peito com as palavras do poeta/escritor português que mais prazer me tem dado a descobrir, a reler... Que devoro em dias de solidão, em noites, em buracos... Nos momentos que estou só com a minha alma e não a quero ouvir... A divagação de quem só quer partilhar a delícia destas palavras, que me tocam, e que parecem tão naturais, tão reconhecíveis:
"fingir que está tudo bem: o corpo rasgado e vestido
com roupa passada a ferro, rastos de chamas dentro
do corpo, gritos desesperados sob as conversas: fingir
que está tudo bem: olhas-me e só tu sabes: na rua onde
os nossos olhares se encontram é noite: as pessoas
não imaginam: são tão ridículas as pessoas, tão
desprezíveis: as pessoas falam e não imaginam: nós
olhamo-nos: fingir que está tudo bem: o sangue a ferver
sob a pele igual aos dias antes de tudo, tempestades de
medo nos lábios a sorrir: será que vou morrer?, pergunto
dentro de mim: será que vou morrer?, olhas-me e só tu sabes:
ferros em brasa, fogo, silêncio e chuva que não se pode dizer:
amor e morte: fingir que está tudo bem: ter de sorrir: um
oceano que nos queima, um incêndio que nos afoga."
José Luis Peixoto, in "A criança em ruínas"
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