quinta-feira, novembro 30, 2006

Memórias: O Homem e a Fruta (I)

"Jaz morto e apodrece. Não se falará mais nele. O Homem era bom mas foi-se.
Falo do Homem como espécie, e não como individuo. Construiu um caixão, chamou-lhe sociedade avançada, e encaixotou-se lá dentro. Como se encaixota fruta nos mercados.
Sem espaço para mais, deve ter ficado cá fora a vontade, o respeito por si próprio e pelos outros, a vergonha.
Deve ter ficado cá fora porque lá dentro não está. Lá dentro, à falta de mais, as regras são básicas, apodrece se não queres ser comido. Cria bicho se não queres acabar descascado.
Tal como a fruta, a sociedade encaixotada do nosso século lá vai “avançando”. Uns dias melhor que outros. Mas a analogia com a fruta acaba aqui. Com o caixote cada vez mais normalizado, as regras não são as mesmas. Se há 100 anos se procurava a fruta podre para deitar fora ou por de parte e não estragar as outras, hoje é o cheiro da maçã fresca que incomoda, e as outras, podres que estão, depressa se encarregam de a estragar.
É mais fácil assim. É a chamada uniformização passiva da fruta, sem custos adicionais, e sem recorrer a mais mão de obra. É uma uniformização por contágio, e muito mais fácil que andar a esgravatar no caixote."


Animus Moth
Keeper of False Hope
(OCT:IX)(01-04-2004)

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